sábado, 2 de agosto de 2025

nota 8

 sou vizinha da última morada de Camões e não tive coragem de visitá-lo. o senhor que há tantos anos me inspirou às primeiras estrofes e caminhos, não recebeu minha visita ainda e meu sentimento está enterrado debaixo de sete palmos de terra, me pergunto se o silenciar da poesia é um sintoma ou uma consequência efêmera de meu estado de espírito. 

  passei bem perto de Pessoa também, estava atrasada, não poderia perder o último comboio para Alfama, e o poeta estava sentado em um banco e eu nem olhei pra ele, pense que dificuldade ignorá-lo. mas nesses dias tenho me sentido tão boba, tão sem alma e entregue ao conjunto da obra do homem. as guerras pessoais e o mundo me enfraqueceram a alma e a palavra meio que voou de mim. meu coração poeta está enfermo, desde sempre, mas agora, parece mortalmente ferido. passei ao lado e não olhei. quem sabe o dia que me sentir mais forte volte lá e converse com ele. 

 os amigos me escrevem do estranho país de onde vim e pra onde de certo voltarei um dia, e de lá não me contam nada novo, as velhas lorotas de sempre e Brasília ainda ferve. o sol dos trópicos continuam a dança do "não fui eu, a culpa não é minha" e outro refrão que diz que tudo se resolve o ano que vem... em que ano estamos mesmo? aqui as opiniões se divergem entre a fome e a comida editadas, replicadas e repetidas na hora do jantar, e isso causa sempre uma discussão filosófica sobre quem começou o que, obviamente não importa, a intolerância sempre é um prato indigesto para mim.

 a refeição que me cabe é esse amor que sinto e por vezes amar é revolucionário, mesmo. eu riria se não entendesse a profundidade oceânica disso. antes eu lutava para não escrever cartas e editava meus poemas, por vezes quase secos por serem certeiros, agora quero registrar meus pensamentos, mesmo sabendo já que isso é totalmente impossível, as mãos não alcançam a velocidade das faíscas incendiarias do pensamento. Portugal arde e literalmente queima, como o cerrado brasileiro e como lá, aqui é minha terra também. entre os "pah" e "pows" derivam os devaneios e essa linha de pensamento peculiar que tenho.

 mais uma vez o amor me faz mover terras e horizontes, sem me afastar muito de quem sou, do que sou.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

nota 7



do conceito que tinha sobre mim

sou
um contexto vago além mar
procedente do terceiro mundo
atrasado e gentil
que privilegia o desconhecimento


"não sabia de mim"
e já gasta e carcomida pelo tempo
supus-me, impus-me
sem vincos, sem corte e surda
ultrapassada e obsoleta
uma piada intrínseca e truncada
daquela que poucos riem


estou a ser esmagada, mastigada
e engolida e sou intragável


sou


pro pão algo
mas para sopa: nada

segunda-feira, 16 de junho de 2025

nota 6

e hoje, será sobre os cigarros e as provas de amor. o (pequeno almoço) café da manhã na cama, todos os dias, até eu dizer que chega. os beijos de "bom dia" intermináveis e as canções no rádio, sempre ligado. aquelas músicas dos anos 80/90's, da MTV. e se penso a respeito, os meios cigarros a cada meia hora, para enganar-se(me) em sorrisos dizendo que um dia pára com isso. as palavras portuguesas vêm sem alegoria e sem aquele cantar com açúcar dos brasileiros, mas o embuste não é bem vindo por aqui, soa falta de honra. agora não espero nada mais que seja menos que isso. o imenso aqui é "mais grande" e não maior, por saberem que o infinito e universal são bem maiores que qualquer coisa. reto e sem curva é o argumento, se é, é e se não, não. sinto-me a "mais grande", a mais importante, a prioridade. mas às vezes perco o posto para uma gatinha chamada "nike" e sim, como a "deusa, da mitologia grega, da vitória encarnada", ela quem comanda todo o movimento da nossa casa.

sábado, 24 de maio de 2025

nota 5

não há porque se esconder e negar as obcessões. somos tão peculiares em linhas extremas do entregar-se e porque julgar? e porque não nos jogar, como anjos num mergulho cego, nus, sem santidade, sanidade, pudor ou asas? não há o outro, não há amado e amante, não há nada pois tudo é comiseração, desejo e histeria, um e outro num só, cinestésicos. onde está a linha, onde está o limite e a fronteira disso? alguém, se puder, me aponte onde é o começo e o fim, a entrada e a saída e me diga ainda se estou na gravidade zero, pois flutuo, deslizo e me refastelo. quero e não quero, e não sei dizer se é como Alan Poe descreveu, "um sonho dentro de um sonho", ao avesso, eu diria... shhh... silêncio, não se deixe enganar por esses pensamentos, deixa eu ser antes que me julgue, até porque estou surda ao mundo, estou imune a tudo que não seja isso, nada é tão meu quanto isso. seria um estágio transitório entre o prazer e a fúria? seria a pequena morte? ou apenas seria, sem palavras que aqui coubessem, como se a maioria já não soubesse, é. quem nunca viveu que julgue, quem nunca sentiu que almeje e quem já passou pelo mesmo: recorde. eu já havia esquecido, dormente como eu estava não me recordava. e porque não admitir o espaço para a loucura, depravação e emulação de qualquer coisa abaixo ou acima de qualquer julgamento alheio, o meu, o teu o nosso e o vosso, amém. devoramos-nos tal esfinges mancas, famintas de si e de tudo e recheadas de ouro e merda. apenas sentimos, sentimos e sentimos... e como disse Jobim e não ouso citar, e como alguém respondeu e eu me calarei apenas para preservar e respeitar os "mistérios gozosos" dos terços rezados e vertidos entre os dedos sacros das minhas avós.

sexta-feira, 23 de maio de 2025

nota 4

saber a hora de passar, saber a hora de parar, e seguir mesmo que seja inconstante é sempre seguir. por vezes a vida te leva, por hora a vida te impede e o fluxo nunca está em nossas mãos totalmente. um dos remos, o leme, o conhecimento do bailar das águas, talvez isso seja controlável, mas nem sempre você quer ou pode remar, quase nunca o leme depende só de tua força e as marés, correntezas, assim como o tempo fogem entre seus dedos. somos meros expectadores, muitas das vezes, a postos para atuar e nem sempre com uma atuação eficaz. eis que isso é a vida. eis que isso é sobre navegar. talvez seja esse navegar ao qual Pessoa se referia, quem sabe...

segunda-feira, 19 de maio de 2025

nota 3

tudo é novo aqui, os rostos, a atmosfera, cheiros, costumes, os sons. a língua portuguesa continua a mesma, embora o sotaque não seja tão igual quanto supoem-se. o ritmo das coisas também é peculiar. não me sinto desconfortável, o cotidiano é uma surpresa e os alvoreceres não são devotos à mesmice, como antes. não há silêncio, a mulher da peixaria, os empregados de mesa dos restaurantes da Alfama estão entregues às cusquices, tão surreal... parece interiorano, um caminho onde Jorge Amado e Saramago se encontrariam, com certeza. e é ilário às vezes. o Tejo em seus caprichos que a maré dita, o Atlântico também se manifesta, as melodias de ambos se completam na foz e o tamanho deles não importa, são amantes em uma cena onde um não se separam do outro. os dias passam lentos, ao sabor dos ventos e da chuva e chove muito. o terceiro elemento salga e invade a docilidade aquosa das manhãs lisboetas. a cidade ri e chora ao mesmo tempo.

terça-feira, 29 de abril de 2025

nota 2

  hoje acordei me perguntando quantas faces minhas já encarei nos espelhos e quantas iguais a mim vivem nesse mundo de julgamentos e inquisições? "ah, aquela bruxa, aquela doida, aquela que não aprende nunca a lição e a que não se conforma com o que lhe impõem", -  isso porque não veem a que chora, luta e sofre em silêncio, a que engole o medo, e segue adiante sem reclamar. 

  será que estou errada em pensar diferente das pessoas do lugar onde nasci? será que estou errada por querer mais do que a vida me ofereceu até aqui?

  fui sempre vista como "a forte", aquela que serve para lhe emprestar dinheiro, para lhe dar colo, lhe dar amor e tudo de mais precioso que tenho, sem negar-lhe nada, absolutamente nada, mas também como aquela que não pode demonstrar fragilidade para não ser taxada de vulnerável, nem tampouco fraca.

  "quem cuida de quem cuida? você mesma" - , digo pra mim todas as manhãs para minha imagem refletida  no espelho. até esse momento eu jamais havia me sentido tão amparada, é um sentimento novo pra mim. e mesmo assim tão amparada não me permito desfrutar, é um sentimento de não merecimento, de estranhamento até. ainda não me sinto confortável sendo cuidada, não sei explicar.

  talvez me falte humildade, talvez me falte confiança em mim, talvez seja medo de me ferir mais uma vez, não sei bem como expressar tal vulnerabilidade, ou simplesmente eu não aprendi a me desarmar.

  fui criada de uma forma onde as meninas podiam falar, mas nem tanto. as meninas podiam mostrar seus desejos, mas nem tanto. as moças de boa família não falavam palavrões e nem se davam ao desfrute. as mulheres casadas tinham que se calar para os maridos e não podiam contrariá-los...

  ou seja, seja morna, não muito fria nem muito quente, seja a medida do que lhe permitirem ser, dê mais do que recebe e não reclame disso porque foi feita para servir, não para ser escrava, mas para servir. tem que ser boa de cama, mesa e saber recepcionar bem sem se exaltar ou atravessar a masculinidade de seu cônjuge. 

  não servi para ser boa esposa, falava verdades demais, fui esquentada demais, tenho cabelo nas ventas e não me calo se me sinto insultada ou desrespeitada, dou conforme recebo e se não recebo não dou. a conta comigo tem que fechar de alguma forma e é assim que dito a minha própria cartilha. a solidão me caiu bem por anos. não esperava nada mais dos homens e nem da humanidade, mas fui surpreendida. e que bom que a vida nos presenteia, raramente, mas presenteia.

nota 8

 sou vizinha da última morada de Camões e não tive coragem de visitá-lo. o senhor que há tantos anos me inspirou às primeiras estrofes e cam...